19/11/2024

A cultura do afeto da educação antirracista

Janine Rodrigues com suas bonecas Abayomi, ao lado, o livro Bonecas Azuis, de sua própria autoria

Em um mundo onde as diferenças às vezes parecem obstáculos, o respeito e a igualdade brilham como luzes de esperança. Cada pessoa, com suas características únicas, tem uma história especial que merece ser ouvida e valorizada. Quem nos ajuda a refletir sobre este assunto é a escritora, educadora e psicanalista, Janine Rodrigues.

Ela dedica sua vida à educação antirracista e conta um pouco sobre sua infância e adolescência, e como essas experiências moldaram sua trajetória.

Psicanalista é uma profissional que ajuda as pessoas a entenderem
seus sentimentos e pensamentos conversando com elas sobre suas vidas e sonhos.

Conte um pouco sobre a sua infância e adolescência?

Passei a infância numa cidade pequena chamada Cardoso Moreira (RJ). Lembro até hoje da minha escolinha, o Nosso Cantinho. Adorava andar de bicicleta, ir à casa de uma amiga, tomar banho de piscina e brincar na casa da Gina, Monique, Vanessa, Bebeto e Juliano. 

Minha casa tinha muito pé de fruta. Também tinha milho, uma horta linda em formato de lua e sol, feita por meu pai. A noite às vezes brincávamos de pegar vaga-lume. 

Fui uma criança feliz. Ainda que desejasse muito ter uma amiga parecida comigo. Achava estranho um mundo tão branco na tv, na escola, no bairro… Não sabia nomear este estranhamento, mas ele estava lá.

Janine Rodrigues quando tinha 6 anos durante desfile na escola

Legenda: Janine, com 6 anos, no desfile da escola. Crédito da imagem: Arquivo pessoal

O que te inspirou a abraçar esta causa?

Não sei se concordo muito com essa expressão ”abraçar a causa”. Soa como uma escolha. E tem muito pouco de escolha em enfrentar o racismo. Quando você é uma criança preta no mundo, que é branco, ou você, por defesa, o ”ignora” a existência do racismo, ou o enfrenta. E mesmo assim, ignorar ou enfrentar não é exatamente uma escolha. Às vezes, uma pessoa preta não dá conta de olhar tudo isso e lutar. E a gente precisa entender isso. A violência que é cobrar da vítima uma resposta, um posicionamento, uma reação. 

Eu fiz o que consegui fazer e o fiz por que essa sou eu. De alguma forma, materializar esses sonhos que tinha, esses incômodos, dúvidas, curiosidades, dores e sorrisos acabou sendo para mim um modo de luta. Mas tudo sempre com muito afeto. Se a gente não cuidar, o racismo queima a gente de dentro para fora

O que é racismo cultural? Já viveu ou presenciou algo que queira compartilhar com a gente?

Racismo cultural é a hierarquização das culturas, uma ideia de que uma é melhor, maior, civilizada, etc. Já vivi muita coisa e presenciei muita coisa também. Mas prefiro dar um exemplo que provavelmente irá ao encontro de muitas pessoas. 

Quipá da cultura judaica

Legenda: Imagem ilustrativa do quipá. Crédito da imagem: Canva

Nem todo mundo sabe para que serve um quipá. As pessoas veem os judeus usando, e, geralmente, este elemento chama atenção. Mas nem todo mundo sabe exatamente o que ou para que serve, qual o significado. Mas há um entendimento, pode-se dizer, coletivo, de que este é um elemento importante para o povo judeu. Este não é um elemento que se use aleatoriamente. Você não precisa entender o que é para entender que você não pode usar tal item aleatoriamente, pois seria um grande desrespeito. 

guias da cultura afro

Legenda: Imagem ilustrativa de guias. Crédito da imagem: Canva

Pensemos agora nos guias. Feitos com contas coloridas, da cor dos orixás. Presenciamos, com frequência, pessoas usando guias que só se usam em funeral. Em festas. Agradecimentos. Mas as pessoas usam assim porque para elas é um elemento exótico. 

Uma total falta de conhecimento que se dá porque não existe uma preocupação prévia em conhecer tais significados. Além disso, no Brasil, a cultura afro-brasileira e indígena continua exotizada. Há um desejo por explorar ” a coisa ”, mas desumanizar quem representa ”a coisa”.

Exotizar alguém é tratá-la como muito diferente e especial por sua aparência ou cultura, o que pode fazê-la se sentir estranha, deslocada, ou seja, fora do lugar dela.

Fale um pouco sobre a cultura afro futurista e o seu livro Escada.

No livro Escada, Genésio conhece um senhor… estranho. Mas, ao mesmo tempo, este senhor parece ser conhecido… Ele fica confuso, pois o tal senhor só aparece a noite. De dia, da sua casa se ouve barulho tão estranho quanto ele. Além disso, o tal velho parece ter uma admiração por escadas… Uma história cheia de mistérios que, para serem decifrados, é preciso se atentar aos enigmas do tempo. 

Livro Escada de Janine Rodrigues

Legenda: Imagem do livro Escada, escrito por Janine Rodrigues e ilustrado por Boni. Crédito da imagem: Boni

O livro conta com tecnologia de realidade aumentada e um encarte… nele é possível conhecer a história de Sankofa e compreender melhor porque para alguns de nós, é possível andar para frente olhando para trás…

Indique um livro seu direcionado às crianças que lembra a sua infância.

Todos os meus livros me remetem muito a minha infância. Dos meus 8 livros publicados, 6 eu escrevi antes dos 13 anos… Mas deixo aqui duas indicações: Nuang, caminhos da liberdade, baseado em conversas que eu tinha com minha avó e com meu pai. Fala de força, saudade, ancestralidade, medo e memória. Nele também há palavras bantu, que aprendi com vovó. 

O termo Bantu se refere a um grupo de línguas faladas por muitos povos diferentes na África. Essas línguas fazem parte de uma grande família chamada Bantu.

CAPA NUANG

Legenda: Imagem do livro Nuang, escrito por Janine Rodrigues e ilustrado por Luciana Nabuco. Crédito da imagem: Luciana Nabuco

E o livro As duas bonecas azuis, que é um sonho que tenho desde os 7 anos e fala sobre verdade e coragem. 

 

As bonecas Abayomi são pequenas bonecas de pano feitas a partir de tiras de tecido, sem costura ou cola, criadas por mães africanas escravizadas para acalmar seus filhos durante as viagens nos navios negreiros. Elas simbolizam resistência, amor e ancestralidade.

O que é a cultura do afeto e como praticar no dia a dia?

A cultura do afeto é saber que nós nos afetamos o tempo todo. E, sabendo destes afetos, devemos ter mais responsabilidade sobre as escolhas que fazemos e que afetam aqueles e aquelas à nossa volta.

 

Janine Rodrigues é fundadora da Piraporiando Editora e Presidente do Instituto Piraporiando, focado em educação antirracista e letramento racial. Reconhecida duas vezes pela Forbes e pelo BID como uma das 10 pessoas que estão melhorando a educação no Brasil, é autora de 8 livros, 6 peças e uma série animada. Premiada no Brasil, Argentina e Áustria por suas obras e personagens.

A Forbes é uma revista globalmente reconhecida, focada em negócios, economia, tecnologia, empreendedorismo, liderança e estilo de vida. Ela é famosa por suas listas de bilionários e pessoas influentes


Referência: Entrevista

Acesso: 29 de setembro de 2024.



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