“Ela nasceu muda e o doutor Caramujo lhe receitou uma “pílula falante”. A partir daquele dia, ela desembestou a falar”. Na nova versão, a Emília continua questionando, perguntando e vendo o mundo de maneira inusitada.
Quem já leu uma história do Sítio do Picapau Amarelo pode imaginar a emoção de entrevistar a Cleo Monteiro Lobato. Ela é bisneta do escritor e teve a ideia de adaptar as histórias dele. A primeira foi “Narizinho Arrebitado” do livro “Reinações de Narizinho”. Em abril, será lançada a adaptação da segunda história do mesmo livro – O Sitio do Picapau Amarelo.
Afinal, por que adaptar as histórias se elas já existem?
A última revisão de Lobato foi em 1947 e de lá para cá houve somente revisões ortográficas. Neste meio tempo, a sociedade evoluiu muito, assim como tudo na vida. Da mesma forma, até o vocabulário mudou oficialmente em 2016, depois das novas regras obrigatórias do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O que não parece mudar é a maneira como os leitores enxergam o Sítio do Picapau Amarelo.
Durante a entrevista com a Cleo, nós insistimos na ideia de que o Sítio realmente existiu. Afinal, quem lê as histórias tem a sensação de entrar na Toca da Cuca ou nadar no Reino das Águas Claras, que fica debaixo d’água e é governado pelo príncipe Escamado. As histórias são tão legais que o Sítio do Picapau Amarelo parece real, mas na verdade o lugar encantado fazia parte da imaginação do seu bisavô. E, sem dúvidas, da fantasia de milhares de leitores.
Confira abaixo a entrevista com a Cleo Monteiro Lobato:
Cleo, conte mais sobre os lugares que inspiraram o Sítio do Picapau Amarelo.
– O Sítio do Picapau Amarelo é um lugar encantado baseado nos lugares onde Lobato passou momentos muito felizes. Como, por exemplo, a Fazenda São José do Buquira e a chácara do Visconde, em Taubaté, no interior de São Paulo.

Você chegou a conhecer o seu bisavô?
– Não conheci meu bisavô. Ele morreu quando minha mãe, Joyce, tinha 18 anos. No entanto, minha mãe teve a oportunidade de conviver com Monteiro Lobato e a sua avó Purezinha bastante. Aliás, ela ia todos os finais de semana para a casa deles e até morou um tempo com os avós em Campos do Jordão.
Quais histórias o Monteiro Lobato gostava de contar para a sua mãe?
– Lobato contava histórias para ela sempre a respeito do que estava escrevendo. Mamãe fez uma sugestão que foi incluída no livro “A Reforma da Natureza” sobre que seria muito melhor as vacas terem “torneirinhas” para se tirar leite.

Você brincou no sítio do Picapau Amarelo quando era criança? Qual era a brincadeira preferida e quem participava?
– Nem eu brinquei nem mamãe brincou. Lobato se mudou para São Paulo depois de vender a fazenda São José do Buquira quando minha avó Martha tinha uns 6 anos.
Você conheceu o Reino das Águas Claras? Como era?
Não, não conheci, mas quando vejo um riacho bonito ou uma cachoeira eu imagino como deveria ser.
Se você tivesse a chave do tamanho, o que você tentaria consertar primeiro no mundo?
Que boa pergunta! Hoje em dia eu eliminava esse coronavírus para a gente poder viajar e abraçar todo mundo novamente.
Você tem alguma receita guardada em segredo da Tia Nastácia?
Tenho duas! Uma de Ovos Nevados, que minha mãe faz sempre e adora, e outra de cuscuz. É uma espécie de bolo de milho com azeitonas e peixe que minha avó, Martha, filha de Lobato, adorava! No entanto, são receitas da Purezinha, minha bisavó, esposa de Lobato – ela era a pessoa verdadeira que cozinhava super bem!

Você conheceu a toca da Cuca?
– Outro dia estava fazendo uma caminhada e juro que encontrei a toca da Cuca.
Por que o Saci tem apenas uma perna?
– Essa pergunta eu não sei responder. Achei que Sacis nasciam assim, sempre!
Por que decidiu adaptar as histórias do Monteiro Lobato?
– Fazia um tempão que eu estava querendo reeditar com ilustrações grandes e coloridas, do jeito que eu queria ter lido quando criança. Quando fui ler o texto do livro “Reinações de Narizinho”, percebi que não combinava com a minha memória sobre o que eu tinha lido das histórias do meu bisavô. Existiam frases descritivas de Tia Nastácia que para mim não soavam bem, pareciam preconceituosas.
Então, eu fiz uma alteração importante que resolveu tudo: mudei Tia Nastácia de cozinheira para amiga de Dona Benta, assim como também cozinheira que ajuda a criar Narizinho. O seriado da Globo já tinha adaptado Tia Nastácia para mais do que simples cozinheira. Pra mim, foi somente mais um passo fazê-la “amiga de Dona Benta”. Quem quiser assistir primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo na TV, o canal Viva está transmitindo os episódios de segunda à sexta, às 10h45.
Quais outras obras do seu bisavô serão readaptadas?
Por enquanto, adaptei a primeira história do livro “Reinações de Narizinho” que se chama Narizinho Arrebitado. Em abril será publicada a segunda história do mesmo livro – O Sítio do Picapau Amarelo. Além disso, pretendo adaptar esse livro inteiro e depois adaptar “Histórias Diversas”, um livro pouco conhecido de Lobato que ele escreveu em 1946 que contém mais histórias da turma do Sítio.
Enfim, na nova versão a Tia Anastácia brigará menos com a boneca de pano ou a Emília continuará sempre aprontando?
Quem criou a Emília foi a Tia Nastácia, a partir de uns retalhos de pano bem barato. As duas são como mãe e filha, brigam, discutem, mas se amam muito. Emília nasceu muda e o doutor Caramujo lhe receitou uma “pílula falante”. A partir daquele dia, ela desembestou a falar. Na nova versão, a Emília continua questionando, perguntando e vendo o mundo de maneira inusitada.