Uma nova forma de inteligência artificial (IA) conquistou rapidamente o mundo e chegou a 100 milhões de usuários em todo o planeta apenas dois meses depois de lançada, no fim do ano passado. O Chat GPT (Generative Pre-Trained Transformer, na tradução transformador pré-treinado generativo) é um sistema baseado em deep learning (aprendizagem profunda) que utiliza mais de 175 bilhões de parâmetros e variáveis da linguagem humana para responder perguntas, criar textos, poemas, músicas, jogar jogos e simular equipamentos, entre outras atribuições. Como sempre acontece com novas tecnologias, a chegada do Chat GPT está causando impactos.
Então, se por trás dos algoritmos do sistema estão centenas de milhares de pessoas, os rotuladores de dados (data taggers), que rotulam dados e imagens para “ensinar” a IA a agir, do outro lado estão outros milhões de pessoas usando a ferramenta para diferentes fins. Em meio a tudo isso, várias polêmicas surgiram, desde a substituição do trabalho humano pelo Chat GPT até o atalho para o aprendizado de novas gerações. A velocidade de disseminação da nova rede e do interesse público contribui para tornar o susto maior.
O Chat GPT alcançou 100 milhões de usuários em dois meses, enquanto o TikTok levou nove meses e o Instagram, dois anos e meio. Antes de atribuir significados à nova tecnologia, entretanto, é preciso conhecê-la, defende a educadora e diretora da Escola Lumiar, Graziela Miê Peres Lopes.
“A humanidade vai produzindo ferramentas ao longo da sua existência. A questão é como as usamos”, afirma. A educadora cita o rudimentar martelo como exemplo, que pode ajudar a construir e também pode destruir.
Segundo Graziela, a diferença está em usar as ferramentas disponíveis de forma consciente e responsável para causar impactos positivos, sociais e ambientais. De acordo com ela, toda nova ferramenta tecnológica oferece ganhos educacionais a partir da possibilidade de desenvolver nos estudantes habilidades importantes como criatividade, ética, raciocínio lógico e construção da autonomia, entre muitas outras. “É preciso compreender qual é o melhor uso da ferramenta. Usar o martelo para descascar laranja, por exemplo, não vai dar certo”, aponta.
A proibição não é a melhor estratégia para lidar com novas ferramentas tecnológicas, diz Graziela. “Temos que entender como usar a ferramenta e quais habilidades necessárias para usá-la da melhor maneira, de forma positiva”, alega. Ela reconhece que a inteligência artificial pode causar temor entre os educadores, de que o aluno vá utilizar esses novos recursos para colar na prova ou fazer o trabalho, já que o Chat GPT consegue extrair dados da web e agregá-los. Mas a diretora pondera que tudo o que é extraído da web foi produzido pela humanidade.
A humanidade vai além
“Quando navegamos na web, temos que entender quais são as fontes confiáveis. Da mesma forma, na inteligência artificial também temos que ter criticidade para entender o que está vindo como resposta, como produção. A parte humana vai além, pegamos o que a ferramenta nos devolve e transformamos aquela resposta no que precisamos. Se a ferramenta executa uma parte da função que nos tomaria tempo, podemos usar nosso tempo, nosso cérebro, para avançar ainda mais, ir além”, afirma a educadora.
Os educadores precisam estar atentos às novas tecnologias, assim poderão utilizá-las para promover o desenvolvimento das habilidades dos alunos. “Claro que os estudantes vão buscar caminhos mais fáceis para executar as suas tarefas, isso não é necessariamente um problema. Vai depender do contexto. Se utilizarem a ferramenta de forma irresponsável, como por exemplo para enganar o professor, estarão perdendo a chance de realmente aprender coisas importantes. Por outro lado, existe uma grande oportunidade de aprendizagem quando os educadores planejam as tarefas considerando a utilização da ferramenta de modo que os estudantes possam compreender de que forma aquele recurso vai contribuir na evolução do seu conhecimento e de sua autonomia. Essa utilização consciente e responsável da IA possibilita que as produções sigam sendo autorais”, explica.
“Por exemplo, o Chat GPT pode ser útil para ajudar a economizar tempo em uma tarefa que não exige criatividade ou pensamento crítico. Com isso, o usuário pode usar a ferramenta para executar determinadas funções e ganhar tempo para se dedicar a produzir outras, mais significativas. Isso é positivo. O importante é aprender a usar”, afirma Graziela. Portanto, o usuário precisa estar preparado para compreender o que ela consegue fazer. Além disso, ter o pensamento crítico para entender se o resultado é adequado ou não.
Novidade na rotina escolar
Com a premissa de conhecer para utilizar, a Lumiar já inseriu a novidade na rotina dos seus alunos e professores, em duas frentes. O especialista em estratégia digital, Caio Germano, explica que o Chat GPT é um tema predominante no mundo. “Todo mundo querendo entender, como integrar, como pensar estratégias para que seja proveitoso. Nosso time pedagógico é muito aberto a integrar IA, Chat GPT e outras ferramentas dessa tecnologia generativa, como é chamada, como Mid Journey e Dall-E, nas salas de aula”, afirma. Ele atua como mestre de estudantes nos 7º, 8º e 9º ano do Ensino Fundamental e lidera o projeto chamado AI Boost, pensado com os alunos para acelerar projetos criativos usando inteligência artificial.
O AI Boost é uma das frentes da proposta de utilizar inteligência artificial, a partir da metodologia Lumiar. Segundo Germano, a cada início de trimestre a escola faz o levantamento de interesses da turma. Esses interesses são diversos, alguns exemplos são: como montar uma banda, produzir uma série e fazer um aplicativo.
“Estamos entendendo juntos como a IA pode acelerar vários processo criativos, como pensar em nomes, descrições, gerar imagens e assim por diante”, alega. Os alunos estão trabalhando em um projeto de quatro etapas. Na primeira etapa, estão conhecendo as ferramentas e a história da inteligência artificial.
Na segunda etapa, os alunos vão fazer uma visita a uma comunidade de curadoria de startups, a Cubo Itaú, para conversar com empreendedores que estão aplicando inteligência artificial na vida real, para solucionar problemas e criar empresas. Após ter conhecido referências e adquirido conhecimento, enfim, os estudantes vão colocar a mão na massa na terceira etapa, a partir dos objetivos que definiram, como criar uma banda e produzir uma série, usando as ferramentas de IA, inclusive o Chat GPT. Na quarta etapa, os alunos vão produzir vídeos para contar sobre todo o processo em um documentário.
Concurso
“Com certeza, essa é a frente mais prática e estou como mestre com os estudantes. A segunda frente é fazer um concurso de IA para a escola inteira”, comenta o especialista. Ele explica que irão lançar um desafio para estudantes do Fundamental 2, estudantes do Ensino Médio e também para os educadores, num formato parecido com o projeto dos estudantes. O primeiro passo será criar um documento sobre as ferramentas e como elas podem ser usadas, para informar a comunidade.
“Vamos fazer uma chamada geral na escola, explicar como usar as ferramentas e dar diferentes exemplos de utilização do Chat GPT”, diz Germano. Os participantes devem criar novas estratégias de uso e produzir vídeos sobre o processo, contando o que aprenderam e as limitações das ferramentas. Enfim, o material será compartilhado com a comunidade para promover novas reflexões e ideias na utilização desse recurso.